20.1.19

CANÇÃO DO OESTE


Ontem, tarde da noite, assisti a um bom faroeste. Canção do Oeste, rodado em 1965 e ambientado no século XIX, do diretor Ted Kholman, o mesmo de Terra Primata.

A história se passa, em sua primeira parte, no Texas. John, o protagonista, é xerife em um cidade violenta, casado com a bela Samantha, interpretada por Caroline Peterson.  Ao contrário dos demais filmes de sua longa carreira, Peterson usa cabelos loiros, contrastando com os conhecidos olhos negros enormes que a fizeram famosa.

A cidade é infestada de bandidos e, frequentemente, alvo de uma quadrilha de ladroes de gado. É o ambiente clássico do gênero. Mas as semelhanças com os demais filmes de faroeste parecem ficar só por aqui.

John é um homem bom, manso, muito sério, amoroso, embora corajoso. Faz bem o seu trabalho, e é apaixonado pela mulher. Por outro lado, ela o atormenta o tempo inteiro, dizendo não mais aguentar aquela vida de espoa de xerife.

-  Nunca sei se você vai voltar! -  ela repete (esse batido clichê) e joga na cara dele o quão se sente virtualmente viúva. Sonha viver outra vida, a vidinha pacata das mulheres casadas com homens normais. Como bem se vê, a tirar somente por essa passagem, o  filme é de temática universal. O longa retrata a vida desse homem dividido entre a família e suas obrigações com a lei e a comunidade. Nada mais comum.

Tem aquela cena do saloon, e que ficou famosa no livro História do Cinema, do crítico Sam Adams, na qual um bêbado levanta-se e vai em direção ao balcão e tropeça nas pernas de um forasteiro de cara ruim. E então leva um tiro e cai morto. O xerife adentra o ambiente no exato momento e, sem pestanejar, saca a arma e a aponta para o assassino, ordenando que se renda. O forasteiro mira o xerife. É tudo muito rápido. Todos os presentes se afastam. Em seguida, a cena corre lentamente: Há um longo momento de tensão, silêncio e suspense. Finalmente, o dono do bar (interpretado por Arthur Kennedy - ele fez essa "ponta", mas ironicamente uma cena que se tornou ontológica)  pega a arma debaixo do balcão e atira fatalmente no agressor. A câmera enquadra a expressão de Arthur Kennedy, já com sua famosa expressão de homem atormentado.

Enfim, diferentemente dos filmes do gênero, não é o herói que abate o malfeitor com seu gatilho certeiro. Embora John, o herói, decida enfrentar o assassino sem temor e, muito provavelmente morreria no confronto, é o dono do bar, normalmente um figurante, quem mata o facínora. Na  maioria dos filmes, o dono do bar é o primeiro a se esconder embaixo do balcão.

Num dado ponto, há uma reviravolta, quando Samantha fica grávida. Numa manhã, após ter passado a noite em claro numa caçada a bandidos ladrões de gado, o marido chega em casa e encontra a mulher em prantos. Ela faça mais uma daquelas cenas. Então John a toma em seus braços, arruma as coisas e vai embora.

Kholman mostra a partida do casal numa tomada ampla, a paisagem árida e plana do Texas, a vegetação rasteira e pouca, porções imensas de chão desnudo, elevações rochosas ao fundo. Ao longe, a charrete na qual iam os dois. E a poeira.

Após o que, o filme dá um salto de alguns anos no tempo e mostra John, Samantha e a linda filhinha Anne instalados numa cidade mineradora da Califórnia.

John é agora trabalhador de uma mina. Um proletário. Ao contrário de antes, temos agora um homem endurecido pelo trabalho, grosseiro, sujo, sempre desalinhado, o exato oposto do xerife do início do filme. Antes, na qualidade de representante da lei, um contraponto à barbárie da fronteira violenta, era obrigado a manter o ar de civilidade, sempre limpo, barbeado, roupas decentes. E com o ar de "tudo sob controle".

Samantha, óbvio, ressente-se disso. Não mais sob o temor da perda,  ou  por dormir sozinha sem saber se o marido voltará de uma caçada a ladrões de gado, não mais pela ameaça constante da viuvez. Agora são os modos rudes do marido que a deixam infeliz. Em resumo, a mulher sempre insatisfeita. Tanto início do filme, mais ainda agora.

Então o nosso diretor dá outra reviravolta, quando ela, não mais suportando estar casada com um trabalhador braçal e rude, uma mulher bonita para atrair qualquer homem neste mundo (Kholman enfatiza ainda mais com tomadas em "close", enquadrando na tela a beleza de Caroline Peterson), foge com um jovem aventureiro, um forasteiro galante e mentiroso, claramente um bandido.

O filme termina de forma magistral - Ted Kholman joga na cena final todo o seu talento como diretor de câmera - e mostra John entrando na mina, e a câmera o acompanha, o túnel de entrada vai ficando cada vez mais estreito e escuro, e o teto cada vez mais baixo e enegrecido, enquanto John curva-se mais e mais a cada passo que dá.

Não há trilha sonora ao longo do filme, uma música sequer, apesar do título "West Song". E termina como começou, em silêncio absoluto, quando não mais se vê o herói na escuridão da mina.

Eu indico.

Marco Antonio.

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