18.1.14

LINDAURINHA




Adaptação de uma narrativa de Ubaldino Carneiro no Orkut.


Lembrei agora de uma irmã adotiva, Lindaurinha.

Minha mãe a adotou ainda menina. Ela era filha natural de uma mulher pobre que já tinha tido uns quatrocentos filhos. A minha mãe tinha fama de generosa e católica caridosa. Todo mundo achou lindo o gesto. Mas, como conhecia bem o caráter dela, logo desconfiei que queria mesmo era uma empregada. Tanto que, em vez de pegar a recém-nascida, optou por Lindaurinha, pois já tinha uns 6 anos.

Em pouco tempo, botou a menina pra fazer todo tipo de serviço. Nos dias festivos, vestia uma roupa nova em Lindaurinha e a apresentava como filha. Todos achavam aquilo muito lindo. Terminada as festividades, voltava ao serviço doméstico, a limpar, varrer, lavar, escovar, servir. Eu tinha uma pena desgraçada. Mas só eu achava aquilo errado. Meus irmãos e irmãs aproveitavam e exploravam ainda mais a garota

Fui estudar na capital e, nesse vai-e-vem de férias e estudo, fui observando que Lindaurinha estava crescendo bem bonitinha. Não deu outra. Meu irmão Teobaldo comeu Lindaurinha e a engravidou. De pronto, minha mãe a pôs pra fora de casa. E todo mundo aplaudiu o gesto de firmeza da católica.

A minha irmã adotiva, coitada, sem teto e nem chão, foi morar com os parentes dela. Pelo fato de ter vivido na casa de gente rica, criada como filha da minha mãe, supostamente com todos os confortos e regalias e frescuras de gente bem-de-vida, os parentes dela a invejavam. Porra, a verdade é que deram casa pra Lindaurinha, mas a humilharam mais do que na casa da minha mãe.

De volta da faculdade, já homem, dei-me conta da injustiça que estavam a cometer, e a chamei de volta pra morar em nossa casa, que eu entendia ser a casa dela também. A velha ficou louca de raiva. Mas eu reafirmei sobre o menino ser um neto dela, de verdade mesmo, sangue, pois filho do filho; e que Lindaurinha era filha também, embora adotiva, e seria imoral deixá-la viver na miséria e na humilhação sob a outra família. Diante da negativa insistente, apelei para sua fama de católica caridosa e fiz chantagem. Ameacei contar para o padre sobre a vida servil de Lindaurinha, desde os seis anos de idade, em nossa casa. Lindaurinha voltou. E agradeceu-meu muito.

Era bonita, pernas grossas, corpo escultural. E parecia gostar de mim, porque, de todos ali na família, eu era o único a tratá-la como como gente e uma igual.

A carne é fraca. Tentei seduzi-la. Mas, por mais estranho que pareça, ela rejeitou a investida, algo que na minha cabeça seria fácil. E ela rejeitou firmemente, talvez olhando-me como mais um entre os outros filhos da minha mãe. Talvez eu me considerasse melhor do que o resto. Ilusão. Ora, talvez ela não pensasse exatamente assim.

Era de Teobaldo, disse, pai do filho dela. Tentei mostrar sobre Teobaldo ser um canalha, que a havia abandonado com um filho nas costas, nada fazendo para impedir a expulsão. Mas não teve jeito. Teobaldo tinha sido o primeiro, e "o amava de verdade e loucamente", ela disse. 

Aí... a gente desiste e larga de mão. Poucas coisas valem uma luta vigorosa. Minha mãe percebeu o lance e botou Lindaurinha pra fora outra vez.


(Ubaldino Carneiro, Janeiro de 2014 na comunidade DMM do Orkut).