26.12.15

CANÇÃO DO OESTE

Hoje, dia de Natal, vi no Netfix um bom faroeste. Canção do Oeste, do diretor Ted Kholman.  A história se passa, na primeira parte, no Texas. John, o protagonista, é xerife em um cidade violenta, casado com a bela Samantha, interpretada por Caroline Peterson.  Ao contrário dos demais filmes de sua longa carreira, Peterson usa cabelos loiros, contrastando com os conhecidos olhos negros enormes que a fizeram famosa.

A cidade é infestada de bandidos e, frequentemente, alvo de uma quadrilha de ladroes de gado. John é um bom homem, manso, embora corajoso, mas não o tipo heroico dos filmes de bang-bang. Faz bem o seu trabalho, e é apaixonado pela mulher. Por outro lado, ela o atormenta o tempo inteiro, dizendo não mais aguentar aquela vida de espoa de xerife: "Não sei se você vai voltar", ela repete (esse batido clichê) e joga na cara dele o quão se sente virtualmente viúva; e sonha em viver outra vida, a vidinha pacata das mulheres casadas com homens normais. O  filme é de temática universal, rodado lá em 1965, e a história se passa no século XIX.

O longa retrata, em sua primeira parte, a vida desse homem dividido entre a família e suas obrigações com a lei e a comunidade. Tem aquela cena do saloon, e que ficou famosa no livro História do Cinema, do crítico Sam Adams, na qual um bêbado levanta-se e vai em direção ao balcão e tropeça nas pernas de um forasteiro de cara ruim. E então leva um tiro e cai morto. O xerife adentra o ambiente no exato momento e, sem pestanejar, saca a arma e a aponta para o assassino, ordenando que se renda. O forasteiro mira o xerife. É tudo muito rápido. Todos os presentes se afastam. Em seguida, as cenas correm lentas: Há um longo momento de tensão, silêncio e suspense. Finalmente, o dono do bar (interpretado por Arthur Kennedy - ele fez essa "ponta", mas ironicamente uma cena que se tornou ontológica)  pega a arma debaixo do balcão e atira fatalmente no agressor. A câmera enquadra a expressão de Arthur Kennedy, já com sua cara famosa de homem angustiado. Enfim, diferentemente dos filmes do gênero, não é o herói que abate o malfeitor com seu gatilho certeiro. John, o herói, enfrenta o assassino sem temor e, muito provavelmente morreria no confronto, ou ficaria gravemente ferido,  caso não encontrasse ajuda de um simples dono de bar. Na  maioria dos filmes, o dono do bar é o primeiro a se esconder embaixo do balcão.

Num dado ponto, há uma reviravolta, quando Samantha fica grávida. Numa manhã, após ter passado a noite em claro numa caçada a bandidos ladrões de gado, o marido chega em casa e encontra a mulher em prantos. Então John a toma em seus braços, arruma as coisas e vai embora. Kholman mostra a partida do casal numa tomada ampla, a paisagem árida e plana do Texas, a vegetação rasteira e pouca, porções imensas de chão desnudo, elevações rochosas ao fundo. Ao longe, a charrete na qual iam os dois. E a poeira.

Após o que, o filme dá um salto de alguns anos no tempo e mostra John, Samantha e a linda filhinha Anne instalados numa cidade mineradora da Califórnia. John é agora trabalhador de uma mina. Ao contrário de antes, temos agora um homem endurecido pelo trabalho, grosseiro, sujo, sempre desalinhado, diferente daquele xerife do início do filme. Antes, na qualidade de representante da lei, um contraponto à barbárie da fronteira violenta, era obrigado a manter o ar de civilidade, sempre limpo, barbeado, roupas decentes. Agora, como sempre, Samantha ressente-se, não mais sob o temor da perda, da viuvez ou da violência, mas com os modos rudes do marido.

Então o filme dá outra reviravolta, quando ela, não mais suportando estar casada com um trabalhador braçal, embora ainda uma mulher bonita (Kholman enfatiza ainda mais com tomadas em "close", enquadrando na tela a beleza de Caroline Peterson), foge com um jovem aventureiro, um forasteiro galante, mas  claramente um bandido.

O filme termina de forma magistral - Ted Kholman joga na cena final todo o seu talento como diretor de câmera - e mostra John entrando na mina, e a câmera o acompanha, o túnel de entrada vai ficando cada vez mais estreito e escuro, e o teto cada vez mais baixo, enquanto John se curva a cada passo que dá. Não há trilha sonora ao longo do filme, uma música sequer, apesar do título "West Song". E termina no silêncio, quando não mais se vê o herói na escuridão da mina.

Eu indico.

Marco Antonio
Dezembro de 2015.