20.7.14

VILLA PALLADIO



O taxista deu a volta correndo e abriu a porta do passageiro. De dentro saiu uma mulher carregando uma criança grande nos braços. Ela dizia, repetidamente, que o marido viria logo e pagaria a corrida, enquanto o taxista a ajudava a carregar a criança para dentro da clínica.  Havia sangue escorrendo e ficou uma trilha vermelha no chão. Ao voltar, o taxista olhou para dentro do veículo e balançou a cabeça. Fechou a porta do passageiro, limpou as mãos numa flanela que pegou lá dentro, ajeitou o boné, cruzou os braços, deu a volta e entrou pelo outro lado. Estacionou o táxi embaixo de uma árvore e esperou.

Dez minutos depois, o pai chegou. Estacionou o carro meio atravessado e entrou correndo na clínica. Nessa correria, errou a porta, deu meia-volta e acertou o lugar. Meia hora depois, voltou com passos lentos e recurvado. Tinha um ar meio perdido, enquanto tentava localizar o táxi. O taxista colocou o braço pra fora e acenou. O pai tirou uma cédula da carteira e disse que ficasse com o troco. O taxista agradeceu e não quis perguntar nada, ligou o motor e saiu. O pai deu a volta, sentou-se num banco de ferro sob uma árvore imensa e começou a chorar.

Era um meio de tarde e o céu estava claro e muito azul. O vento arrancava flores das árvores e o piso do estacionamento estava cheio delas. Eram flores amarelas, flores daquela época; acontecia de ano em ano, um espetáculo bonito de se ver, as flores sendo carregas pelo vento. Mas o pai estava com os olhos voltados para baixo e só fazia passar uma das mãos na cabeça, indo da testa e descendo até o pescoço.

Do outro lado da rua, um grupo de mocinhas passou cantarolando e rindo - riam muito e alto e, mesmo quando já estavam mais afastadas, dava para ouvi-las em seus sorrisos e brincadeiras umas com as outras. Não antes de as risadas sumirem de todo, veio de lá um médico, um médico ainda jovem e muito alto. Ele aproximou-se do pai, sentou-se ao lado,  no mesmo banco de ferro pintado de branco. Falou qualquer coisa pra começar, deu uma explicação rápida e simples e silenciou. Ficou ali por uns minutos e depois levantou-se. Nesse tempo, o pai não olhou para o médico, não teve coragem, nem disse uma palavra sequer.

Após o médico, veio uma enfermeira trazendo um copo d´água. Ele não notou a presença dela de imediato, deixando-a, sem querer, parada com um copo plástico na mão e sem dizer nada. Ele levantou a vista, limpou o rosto, deu um sorriso e estendeu a mão para pegar o copo. Uma flor pequena caiu dentro e ele a tirou com um dos dedos. A enfermeira esperou um pouco e afastou-se com uma flor amarela que pegara no chão.

Foi quando veio um ruído grave que foi se tornando mais intenso a cada segundo. Vinha de cima, do alto, de trás do prédio da clínica, mais para o lado esquerdo. A enfermeira parou no meio do estacionamento e vasculhou o céu tentando encontrar a fonte daquele som potente. O pai levantou o rosto e limpou as lágrimas para enxergar melhor. A luz do céu intensamente iluminado o cegou por um instante. Mas logo ele pode enxergar bem e nitidamente. Foi quando apareceu, por cima do prédio, um pequeno avião de duas cores contrastando com o azul do firmamento, e puxando atrás de si uma faixa ondulante onde se lia em letras vermelhas: VILLA PALLADIO. COMPRE.  SEU NOVO LAR.

Marco Antonio, 2014.

19.7.14

NÃO, VOCÊ NÃO SABE O QUE ESTOU PENSANDO


"Não, você não sabe o que estou pensando." Aliás, não há como saber o que se passa na cabeça de outras pessoas. Você pode até tentar adivinhar. Se acertar, será como um chutar uma bola para o meio de uma floresta e, sem controle nenhum sobre a trajetória, conseguir derrubar uma fruta doce no galho de uma árvore distante. As pessoas são assim, seus pensamentos são assim, um amontoado de galhos de uma floresta fechada, onde a luz do sol pouco penetra. E, nessas florestas, coisas novas nascem todos os dias, pois as sementes caem o tempo inteiro e, dali mesmo, brotam novos espécimes, um emaranhado de plantas de tamanhos, formas e cores variadas brotando, crescendo e morrendo sem parar. 

"Não, você não sabe o que eu estou pensando." - Eu falei novamente, quando a minha mulher perguntou sobre o fato de eu estar pensativo. Ela abriu a porta do carro e saiu, logo após eu ter estacionado em frente ao supermercado. Liguei o rádio e fiquei ouvindo música de estação AM bem popular, musica vulgar e ruim. O locutor, entre uma música e outra, falava da temperatura, anunciava as horas, e lembrava que, naquela noite, haveria a importante festa na praça. Era uma festa anual da igreja. Embora fosse uma festa religiosa, tinha apresentação de bandinhas locais. Após a missa, dava-se aquela festa, nada de sacro, digamos assim.

Uns vinte minutos depois, ela voltou empurrando um carrinho com dois sacos plásticos cheio de coisas. O vento batia em seus cabelos. Eu sempre gostava de vê-la com os cabelos soltos ao vento. Mesmo de longe, dava para ver seu sorriso para mim. Eu abri o porta-malas quando ela chegou mais perto. Abri a boca dos sacos e vi que havia cervejas e uns tira-gostos, além de umas coisas de cozinha e limpeza. Na saída do estacionamento, falamos sobre a festa na praça, se deveríamos ir ou não. 

"Eu não vou pra missa, então não é certo ir para a praça." - Ela falou. Então eu argumentei que não tinha nada a ver uma coisa com a outra. "Deveríamos ir", eu disse. Ela fez um gesto de consentimento com a cabeça. Disse que iria, sim. Então, mais adiante, deixei-a no salão-de-beleza. Marcamos para pegá-la na hora do almoço.

X   X   X

Era uma manhã de sábado ensolarada. Aproveitei e fui até uma oficina para dar uma olhada nos freios. O mecânico era um cara velho e calado. Perdera recentemente a mulher para o câncer, e aquilo o havia deixado ainda mais fechado e estranho. Deu o diagnóstico dos freios em poucas palavras e anunciou o preço com total desinteresse. Eu aceitei, e ele  fez o serviço. Embora não muito simpático, ainda mais agora, era um bom mecânico, experiente, confiável e correto. Na saída, estendi a mão em agradecimento. Ele mostrou as mãos sujas de óleo e as recolheu imediatamente, e deu as costas pra mim. Todo mundo sabia daquele jeito dele e relevava. Perto do meio-dia, fui direto para o salão.
J
Chegando lá,  minha mulher não havia ainda terminado, sentada numa cadeira com alguém a escovar-lhe os cabelos. A dona do salão anunciou: "Seu amor já chegou". E pediu para sentar-me e esperar "um pouquinho". "Daqui a um pouquinho ela já estará bem bonita pra você.".

Sentei e pequei uma revista, e nem me dei conta do cara que passou por mim.

Só ouvi gritos de uma mulher e o som de vidros quebrando. Ao levantar a vista para o fundo, o sujeito já estava de volta arrastando a esposa pelos cabelos, em meio aos pedidos de "calma!" e "não faça isso!". Já na porta, ele bateu com toda força na parte de trás da abeça dela. A mulher tombou para fora e caiu no asfalto. Ninguém levantou para socorrê-la. O cara a levantou com violência e a arrastou, afastando-a de nossa vista. Em seguida, ouvimos outro grito. Esbocei querer levantar. A dona do salão, como se soubesse as razões por trás daquilo, pediu para todos ficarem onde estavam.

"Isso é coisa deles". - Ela disse.

A minha mulher levantou pouco depois. Estava com os cabelos bem arrumados e a unhas pintadas de vermelho.  Mais umas duas ficaram prontas ao mesmo tempo que ela. Saí, meio sem jeito por não ter defendido a outra mulher. Quando entramos no carro, estava muito quente e ligamos o ar-condicionado na máxima potência. O sol batia forte e a rua estava vazia. Acelerei. Ela pediu para almoçarmos num restaurante, antes de irmos pra casa. Pedimos bife com arroz e salada. Enquanto aguardávamos, comentamos sobre o sujeito que havia espancado a mulher no salão. "Não é a primeira vez." - Ela disse - "Mas não a conheço bem, embora ela frequente o salão. Mas a manicure comentou comigo que já houve outras vezes, várias vezes. Não lá no salão. Essa foi a primeira vez. Nem parece que ele a trata assim. Ele já a buscou outras vezes, e ele parecia tão amoroso das outras vezes..."

X   X   X

Mais tarde, já noite, fomos para a igreja e participamos da missa. Após a cerimônia, todos em festa em torno do coreto na praça, vimos o casal da briga no salão. Estavam de mãos dadas. Os cabelos dela encobriam um lado do rosto. De longe, eles nos viram, desviaram e tomaram outro rumo. Mas não paravam para conversar com ninguém, apenas andando e de mãos dadas. Num certo ponto, ele passou o braço em torno da cintura dela. E depois sumiram da nossa vista.

Paramos num barraca com uma decoração bem espalhafatosa com bandeirolas e cores vivas variadas, na qual estavam a servir sorvete, bebidas alcoólicas, refrigerantes, salgados, doces.

"Peça para colocar raspas de côco na minha pipoca" - A minha esposa pediu. Parecia muito satisfeita por estar ali.

"Eu vou querer uma coca-cola também, meu bem." - Ela complementou, sorrindo como uma criança: "Que noite linda, meu amor. Eu estou muito feliz. Muito feliz!".

Marco Antonio, 2014.

16.7.14

DIA DE PRAIA



Ela estava sentada à beira d´água. As ondas vinham, batiam em seus pés e voltavam, num movimento constante e repetitivo. De vez em quando, uma mais forte chegava até o meio das coxas, e ela dava um grito e ria alto. Mais acima, na areia, eu a observava tomando coca-cola. Era uma tarde nublada e a água estava mais fria do que de costume.

Nós íamos juntos àquela praia desde quando namorávamos. Mas naquela época era diferente, éramos jovens e praticávamos jogos de várias modalidades, esses jogos típicos de beira de praia. E foi ali que nos vimos pela primeira vez. Num fim de tarde, todo mundo sentado na areia morna, cansados após uma partida de vôlei, ela passou com umas amigas. Não que fosse a mais bonita, mas foi ela quem sorriu pra mim. Logo, no dia seguinte, no mesmo horário do dia anterior, quando estávamos novamente cansados após uma longa partida de futebol na areia fofa, ela novamente passou com as amigas e, mais uma vez, deu-me um sorriso.

Desde aquele dia, que se vai longe, do qual nos recordamos com doçura dos sonhos e da beleza da juventude em sua plenitude, festejamos voltar todos os anos para a mesma praia onde nos conhecemos.

- Vamos! - Eu gritei - Já está bem frio aqui.

Então ela veio de lá, após levantar-se com um pouco de dificuldade, andando lentamente com pisadas fortes e afundando os pés na areia seca. Chegou ofegante e tomou um gole de refrigerante. Pegamos nossas coisas e subimos o aclive bem devagar. Mais acima, num gramado, havia uma bica de água doce e nos lavamos, tomamos água mineral e entramos no carro.

Ela resolveu dirigir. A estrada estava movimentada, era uma sexta-feira, e muita gente afluía para aquela região. Acomodei-me no banco do carona e pus uma musiquinha pra tocar. Abaixei o volume e peguei um cochilo leve e sem esforço, num misto de sonho e vigília.

Não sei quanto tempo se passou. Acordei com um som forte de freios, seguido de um outro som de impacto potente mais à frente do nosso carro. A minha mulher diminuiu a marcha rapidamente. O cinto-de-seguranca apertou-me o peito. Abri os olhos e vi, logo adiante, carros atravessados na pista. Ela disse ter visto tudo, pois estava atenta ao trânsito intenso.

Ficamos mais de uma hora parados. Carros de um lado e do outro, uma fila bem longa. E uma longa espera.

Nesse meio tempo, minha mulher calou-se e entrou em sono profundo. Aproveitei e fui até o ponto onde ocorrera o acidente. Três carros envolveram-se na batida, mas sem vítimas fatais, felizmente. Quando a pista foi liberada, voltei ao nosso veículo e a acordei. Pedi a ela para passar para o banco de trás, de modo a continuar dormindo mais confortavelmente. Ela pulou para a traseira sem protestar.

Liguei o rádio do carro e botei o som baixo, como fizera antes. Já era noite e luzes intensas de faróis cruzavam a minha visão. O locutor, sob um fundo musical romântico, começou a ler uma uma carta de uma ouvinte, na qual dizia estar profundamente triste e solitária, pois o namorado havia ido trabalhar fora numa mineradora lá no fim do mundo. Então eu aumentei um pouco o volume para poder acompanhar melhor a leitura da cartinha. O locutor tinha uma voz empostada e realçava as partes mais tocantes com a sua curva melódica romântica; fazia pausas longas, como se meditativas e solenes, enquanto abaixava o volume da música; e então recomeçava num tom mais leve e tranquilo o parágrafo seguinte. A moça dizia que esperaria o seu amor por quanto tempo fosse necessário, nem que se passassem cem anos. Ela dizia ter 22 anos, 1,70m, morena clara, cabelos castanhos, católica carismática, segundo grau completo, uma moça do interior com um emprego de caixa num supermercado.

Logo depois, a minha mulher  acordou e perguntou sobre as horas. E disse, em seguida:

- Tive um sonho. Tão pouco tempo cochilando, e um sonho tão longo, pareceu durar horas, um pesadelo, na verdade. Sonhei ainda estarmos na praia, quando começou, do nada, uma tempestade, chuva forte, raios e trovões, e não dava para enxergar um metro à frente. As ondas vinham e batiam fortes. E eu me perdi de você.  Gritava alto, chamando por seu nome, mas o som dos trovões e da chuva eram mais altos. Eu corria das ondas que vinham, mas ela não cansavam de voltar, cada vez mais fortes, e eu era obrigada a correr mais e mais numa areia que parecia não ter fim, para não ser tragada pelas ondas. A última delas chegou a cobrir meus pés, embora tenha corrido muito. E, do mesmo jeito que veio, a tempestade se foi, e o sol iluminou tudo novamente. O mar estava novamente calmo, e a praia deserta. Você não estava mais lá. Para onde eu olhava, só havia água e areia.

- Já estamos perto de casa - eu a interrompi -, talvez a menos de cinco minutos.

- Que bom... chegue logo....-  e voltou a adormecer.


Marco Antonio, 2014.

7.7.14

COMO SÃO BELAS AS NUVENS



Chegaram antes das dez da manhã daquele sábado de pouco sol. Eu e meu amigo sentamos em banquinhos de cimento debaixo da mangueira, e elas foram direto para a cozinha. Esse casal amigo já havia nos visitado muitas outras vezes e todos estavam bem à vontade. Após aquela conversa inicial sobre o trânsito e a semana de trabalho, fui até a geladeira e voltei com uma cerveja e dois copos. Não tardou e esse meu amigo começou a falar sobre uma antiga namorada. Nunca havia falado sobre ela na minha presença. Disse que era coisa de muito antes de conhecer a mulher dele. Quando a cerveja acabou, ele mesmo foi pegar outra e voltou com umas azeitonas. E continuou a falar sobre a tal moça do passado dele. Então eu perguntei sobre o porque de estar lembrando dela naquele momento.

- Afinal, meu amigo, ela continua desimpedida? - perguntei, lá pelo meio da conversa.
- Não, claro que não! É casada e tem filhos. Tem um ótimo casamento... - ele respondeu.
- Sim, e por que logo agora ela veio parar aqui nessa conversa?

A mulher dele veio vindo. Trazia outra cerveja e uns bolinhos de bacalhau. Colocou tudo sobre a mezinha de cimento sob a mangueira e levantou o olhar para o céu. De repente, após ajeitar os pratos e virar-se, ficou parada e olhando pra cima. Não demos atenção e começamos a mexer nos bolinhos, quando ela falou:

- Meu Deus, como as nuvens estão! Nuvens lindas, meu Deus! Vocês estão vendo? Vocês estão vendo?! Olhem! São nuvens coloridas, cortadas por imensos arco-íris, eles descem em círculos de lá de cima.

Havia nuvens no céu, talvez em maior quantidade, além o normal, a  encobrirem o sol. Mas não eram coloridas de forma alguma. Contudo, ela não parava de dizer aquelas coisas sobre arco-íris circulares descendo e girando. O meu amigo a segurou e a fez olhar para baixo. Pediu que fechasse os olhos por um tempo para depois voltar a olhar as nuvens. Antes de puder voltar a mirar o céu, ela queixou-se de náuseas e fomos obrigados a levá-la para dentro de casa. Minha mulher, quando a viu naquele estado, o rosto pálido, ficou assustada. "Há poucos minutos... não pode ser... ela estava ótima e alegre", a minha mulher repetia, "ela estava bem", "ela estava bem".

Na segunda-feira, soubemos do resultado. O meu amigo ligou e disse tratar-se de um tumor no cérebro, coisa não tão fácil, embora não fosse também impossível de cura, pois o tumor estava ali fazia pouco tempo, embora crescendo, sem nenhum sintoma de mal-estar anterior ao acontecido em nossa casa. Perguntei como ela estava. "Um pouco sonolenta", foi a reposta dele, "Ela continua falando das nuvens lindas, de serem de verdade, e continua a falar dos arco-íris circulares descendo do céu, e diz como se tivesse visto mesmo tudo aquilo. Não fosse pelo tumor, daria até para acreditar, do jeito que ela fala pra mim."

x  x  x

Um ano e meio depois, mais ou menos, eles voltaram a nos visitar. Sentamos mais uma vez nos banquinhos de cimento sob a mangueira. E elas, a mulher de meu amigo e minha mulher, trouxeram cervejas regularmente, e uns camarões saborosos. Quando se afastaram para fazer mais uns pratos, meu amigo voltou a falar da antiga namorada. Ele já estava claramente embriagado, e sua voz era pastosa. Mesmo assim, perdi a paciência e perguntei se não estava feliz por ter a mulher de volta após um longo e doloroso tratamento. Então ele olhou para o céu retalhado por nuvens e o fixou longamente. O céu era de um azul profundo, azul que antecede o entardecer, um azul rasgado por imensas nuvens compridas refletindo a luz do sol já baixo e mais frio. E ele permaneceu com o olhar fixo para cima, acima das folhas a balançarem ao vento. Foi quando as mulheres estavam voltando, cada uma com um pratinho numa das mãos. De súbito, ficaram paralisadas no meio do caminho ao verem o meu amigo  no que parecia um estado de contemplação, olhos vidrados, a boca semi-aberta, meio caído para trás, as costas apoiadas na mesa de cimento. A mulher dele, ainda inerte, deixou os pratos caírem, e os bolinhos rolaram ao longo da inclinação do terreno. Foi quando ele caiu de lado, e o impacto foi acompanhado de um som abafado de carne batendo no chão."Levanta ele! Levanta!" - A minha mulher gritou.

Estava desmaiado e  pesado, muito pesado. Precisou de nós três para colocá-lo novamente de pé. Quando o sentamos novamente na cadeira, a esposa veio de lá com uma panela e jogou água fria na cara do meu amigo.  Aquilo o fez estremecer e, em seguida, puxar o ar com força, fazendo o peito gordo ir e voltar umas três vezes.

já estava escuro e frio. Entraram no carro, ela sentou-se ao volante e tentou desculpar-se, mas parecia confusa e exausta. Ele inclinou o recosto do banco do carona para trás e deixou-se cair, o corpo esparramado, braços cruzados sobre o peito. Afastei-me, enquanto ela falava alguma coisa para a minha mulher, elas se davam bem, de verdade, eu sabia disso; e, por isso, afastei-me, para poderem conversar melhor. Logo depois, o farol do carro iluminou a estrada de terra e saiu vagarosamente. Da minha casa, disposta no lugar mais alto do terreno, acompanhei o brilho das lanternas traseiras do carro deles até perderem-se de vista.

Nunca mais voltaram e nem os convidamos mais. Nem mesmo sabemos onde agora moram.

Marco Antonio, 2014.