12.7.16

CASA NOVA

Aquele foi o dia mais feliz de suas vidas. Quando ela abriu a porta, o mais belo sorriso no rosto, ele contou-lhe que havia comprado a casa. Ela quase desmaiou. No dia seguinte, mudaram-se com a filhinha para a casa enorme cercada pela vastidão de pastos verdes. Aquele momento ficou ali gravado como um quadro parado no tempo. Nada do que viria depois traria consigo uma alegria tão grande e um sorriso tão belo em seu rosto. Não que a vida houvesse se tornado ruim dali em diante, não é isso. Além da notícia da compra da casa, o Natal estava próximo. Passariam o Natal no lugar que há tanto tempo sonhavam para si. O Natal caiu numa quinta-feira. Convidaram um casal amigo para a ceia na quarta à noite. Compraram presentes para os convidados, ganharam também os seus, coisas simples, troca de presentes de uma amizade recente e sem maiores compromissos. Eles eram jovens, tinham uma garota, Letícia, de cabelos loiros muito finos, olhos negros, parecida com a mãe. Não tinham muitos planos, não sabiam exatamente o que fazer mais adiante, gostavam da forma de como viviam aqueles dias felizes, uma casa grande em meio a uma imensa área verde, uma filha para criar, a vida pela frente. Viviam sem dificuldades, embora com poucos amigos, quase somente os três num ambiente morno e confortável. O outro casal ainda não tinha filhos, mas alimentavam muitos planos. Ele queria um posto cobiçado na empresa onde trabalhava; ela estudava Direito e pretendia prestar concurso e seguir uma carreira estável no serviço público. Por isso decidiram adiar filhos para depois. "Você faz opções" - argumentou o amigo durante o jantar -, "e há muitas boas opções por aí, mas você não pode ficar parado esperando elas virem até você." E a esposa dele acrescentou dizendo que, em breve, teria o seu diploma e, tão logo uma aprovação num concurso, a tão sonhada estabilidade no serviço público, quem sabe até conseguiria ser juíza ou promotora. A conversa foi quebrada quando a garotinha colocou as mãos espalmadas sobre o prato e, choramingando, pediu à mãe para não ser obrigada a comer mais. As mãos de Letícia estavam sujas de vermelho do molho da macarronada. Em seguida, lambuzou o rosto. O pai começou a rir, tomou outro gole de vinho, apontou o dedo para o convidado e pediu para que ele passasse a travessa da macarronada. Uma macarronada imensa e cheia de almôndegas. Então, do nada, a conversa mudou repentinamente para um rumo inesperado. O amigo falou sobre a necessidade premente de revelar um segredo, mas na condição de compromisso tácito de silêncio absoluto de todos, nenhum comentário sequer, nem ali e, muito menos, depois. Houve um breve silêncio, Letícia já estava no sofá a brincar com uma bonequinha que falava "mamãe, eu te amo!". "Mamãe, eu te amo! Mamãe, eu te amo!". E isso quebrou a paralisia dos comensais. Ao que o anfitrião, dirigindo-se à esposa do convidado, pediu para que fossem embora imediatamente. Ambos se levantaram e saíram, tão rápido que nem levaram os presentes consigo. Nem mesmo cumprimentaram a menininha. De dentro da casa, deu pra ouvir a porta do carro batendo com força, a mulher gritando alguma coisa.

Mais tarde, veio a notícia. Alguém ligou e avisou sobre um choque com um caminhão durante uma ultrapassagem mal-sucedida. Letícia estava dormindo nos braços do pai, e continuou a fazê-lo. Foi a mãe quem atendeu ao celular. Um amigo comum ligou e falou sobre não ter havido sobreviventes. Ela começou a chorar. Não que gostasse tanto assim daquele casal, nem eram tão amigos, nem mesmo tinham coisas em comum. Vieram apenas para o jantar na casa nova.

Marco Antonio
Julho de 2016.