31.3.24

FIM DA INFÂNCIA

Quando a menina entrou, apenas a chama oscilante mal iluminando a cozinha, a sua mamãe tomava café com biscoitos, o rosto fixamente sobre a xícara de café preto, movimentos lentos, costas recurvadas, e o silêncio entre elas, como se lá não estivessem.

A menininha sentou-se e esperou que a mamãe falasse algo.  Esperou, mas não veio palavra alguma. Fazia frio, e ambas usavam um pequeno cobertor sobre os ombros. Lá fora, sem vento algum, nem o farfalhar das árvores, apesar da porta aberta para o lado de fora.

- Papai ainda não chegou, mamãe.

A mãe levantou a xícara e tomou mais um gole do café quente.

- Por que ele está demorando tanto, mamãe?

Sem levantar os olhos, a mamãe ergueu a xícara com a costumeira leveza nos gestos, as feições impassíveis e, em rapidez vertiginosa, a atirou contra a parede. E permaneceu ali sentada, ombros caídos, braços soltos, o corpo recurvado, como se nada houvesse feito de anormal.

- Mamãe?

Os cacos espelharam-se sobre o chão pouco iluminado. Nenhuma iniciativa de ir recolhê-los. Permaneceu como estava, como se ainda diante de si estivesse a xícara intacta e cheia de café puro e quente. A menina abaixou o olhar, levantou-se, e tocou os longos cabelos da mamãe, e o fez de cima para baixo, vezes seguidas, entrelaçando seus dedos pequenos entre os fios finos com infinita doçura. E continuou, enquanto lágrimas pequenas escorriam-lhe pelo rosto. A mãe não se mexia, apenas a respiração fazia balançar as chamas da vela ali longo em frente.

A criança percebera, apenas com um olhar, o mundo que se descortinava diante dela pela primeira vez, embora quase nada pudesse enxergar além da pequena chama pouco adiante.

- Mamãe - Falou bem baixinho a criança, quase inaudível, quando veio uma rajada de fora da cozinha, por aquela porta aberta, e a chama deu lugar à escuridão que as acolheu.

 


 

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