20.1.19

MÚSICA NA PRAÇA


Não há como saber o que se passa na cabeça de outra pessoa. Você pode até tentar adivinhar. Se acertar, será como um chutar uma bola para o meio de uma floresta e, sem controle algum sobre a trajetória, conseguir derrubar uma fruta doce no galho de uma árvore distante. As pessoas são assim, seus pensamentos são assim, um amontoado de galhos numa floresta fechada, onde a luz do sol pouco penetra. Coisas novas nascem todos os dias, as sementes caem, e delas brotam novos espécimes, um emaranhado de plantas de tamanhos, formas e cores variadas nascendo, crescendo e morrendo sem parar.

Ela foi até o carrinho de pipoca e voltou com dois pacotes. A pipoca estava quente, salgada, crocante, saída da hora. Olhou pra mim e disse que me amava. Estávamos na praça, a praça cheia de gente, barracas vendendo pratos tradicionais e variados tipos de bolos e doces. Do outro lado da rua, sobre um palco baixo e enfeitado, uma banda tocava sem parar. Ela olhou pra mim e eu vi alegria em seus olhos, a  pipoca estalando entre seus dentes, o sorriso em seu rosto. Que sorriso lindo ela tinha. Meu Deus, que sorriso lindo ela tinha. Acho que foi o dia mais feliz da minha vida. Soprava uma brisa leve e as pontas dos seus cabelos oscilavam pra lá e pra cá, cabelos castanhos claros, finos, cortados um pouco abaixo dos ombros. Do outro lado da rua, a banda executava a repetição contínua de um batida cadenciada e melodiosa. Mas isso foi no dia anterior. 

Quando acordei, já um pouco tarde, pois era domingo, ela não estava ao meu lado. O quarto havia sido tomado por um cheiro forte de fumaça. Muita fumaça entrando pelas frestas. A reação imediata foi a de abrir a porta e sair correndo pra fora e respirar. Era ainda manhã, eu supunha, mas o céu estava encoberto, tufos negros e selvagens sopravam do norte. A luz era pouca e não dava pra enxergar o sol. Olhando na direção da praça, via-se um clarão vermelho que se elevava enorme por trás de redemoinhos violentos de nuvens densas. E o vento trazia de lá ecos de uma batida cadenciada e melodiosa, langorosa, lenta e hipnótica. 

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