20.1.19

DREAMS


Estreou no Brasil o novo filme de Ted Kholman. Dreams (2016). Com um elenco praticamente desconhecido, com a aparente exceção da excelente Amy Adams (do filme A Chegada), esta produção canadense de médio custo marca a volta de Kholman após quase uma década longe das telas. 

Ambientado numa pequena cidade do interior, o filme começa mostrando a vida pacata de Mary (interpretada por Amy Adams), uma mulher de uns 40 anos casada com um professor do ensino médio e grávida de 7 meses do seu terceiro filho. As imagens se alternam em preto e branco e em cores. Aos poucos, vamos compreendendo a trama e a sua relação com o uso de imagens coloridas ou em P&B. A realidade, em preto e branco. Os sonhos, em um colorido quase sobrenatural. 

Quando o espectador já consegue interpretar corretamente este artifício de cores e sua ausência nas cenas de sonho e vigília, somos apresentados a uma passagem, obviamente um sonho, em que Mary está numa cidade grande, solteira, sem filhos, ainda na faixa dos vinte e poucos anos e trabalhando numa lanchonete, onde ela conhece Philip (interpretado por um dos atores desconhecidos do elenco), um belo jovem estudante de negócios e finanças em uma prestigiosa universidade.

As cores estouram diante dos nossos olhos, mais e mais intensas a cada segundo, tornando-se irreais quando Philip a convida para um jantar. Kholman utiliza filtros, beirando ao psicodélico, para dar maior percepção de irrealidade quando ambos  estão num muito refinado restaurante, decorado em estilo do século XIX, para o qual o rapaz  a leva.  Em seguida, uma breve cena de amor no pequeno apartamento onde ela mora, mas já em preto e branco, não o colorido intenso dos sonhos.

Daí em diante, temos a vida de Mary casada com Philip, um jovem rico e promissor. Passagens com os filhos, a linda casa onde moram, as festas, o grupo de amigos, ilustrando a ideia de um mundo de riqueza, conforto, luxo e felicidade, na ausência completa de cores. Ou seja, a realidade. A ideia da realidade sem cor não é nova e já foi experimentada por vários cineastas, e parece ser mais convincente, alegam alguns, do que quando em cores. 

Chegamos a nos acostumar com tal mundo onde as diferenças se dão apenas no contraste entre mais claro e mais escuro, nas gradações do cinza em combinação com o negro e o branco. Mesmo porque torcemos pela boa vida da protagonista. Por que estragá-la? Contudo, como em outros filmes de Kholman, temos um salto, uma virada. Mary, já uma mulher de quarenta anos, toma chá com uma amiga.

 - Eu queria que a minha vida tivesse mais cores - diz a amiga, uma grã-fina da roda de ricos que frequenta. 

A câmera mostra a expressão de Mary e, neste momento em particular, enche a tela com o belo rosto de Amy Adams, em preto e branco, um pequeno sorriso em seus lábios, a dizer que ama sua vida, os filhos, a estabilidade, o esposo e tudo que ele a proporciona. 

- Desde quando o conheci, minha vida parece um lindo sonho - ela diz. 

Em seguida, sem aviso, as cores estouram diante dos nossos olhos, já desacostumados, quando o celular dela toca e é avisada de que o marido havia sofrido um infarto.  Kholman, um mestre no uso da câmera, mostra a agitação das ruas intensamente coloridas, sons de buzinas, a protagonista dentro de um táxi, a tensão e as lágrimas em seu rosto (Amy Adams, numa atuação primorosa, consegue passar aquela mesma tensão das expressões sutis do filme A Chegada). Lá fora, na avenida larga, as placas e seus letreiros luminosos chamativos das lojas. 

Ao chegar ao hospital, corredores em cinza, o branco dos médicos, as paredes alvas, não há cor alguma. O melhor amigo do esposo se aproxima. Entretanto, tal personagem é alguem mostrado apenas no início do filme, num pequeno jantar, quando Mary está grávida e traz à mesa  uma tigela de macarronada, a barriga imensa da gravidez do terceiro filho. Mary é logo avisada por uma médica sobre o marido dela estar fora de perigo, pois havia sido apenas um mal-estar repentino.

Enquanto a médica a tranquiliza numa voz muito doce a chamar a nossa atenção, a câmera enquadra o rosto da protagonista enchendo a tela. Mary parece destruída, sem vida, sua expressão é de total desapontamento. O olhar não mira a câmera, desvia-se para o lado, como se não pretendesse ouvir explicação alguma, sua vontade é a de não estar ali naquele mundo onde não Philip. O som doce da voz da médica torna-se aos poucos inaudível, muito tênue e sem resolução, permanecendo apenas a imagem nítida e em preto e branco do rosto de Amy Adams na cena final. E termina. 

Antes dos créditos, lê-se a dedicatória de Ted Kholman à sua querida esposa recentemente falecida. 

Eu indico.



Marco Antonio.

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