15.9.14

ANTES DA CHUVA.




Deixei o quarto todo arrumado e desci as escadas. Quando fechei a porta de casa, um carro passou em alta velocidade, era um automóvel grande e verde-escuro, sem brilho, esportivo, soltava fumaça pelo escapamento e fazia um ruído, como se fosse um ronco de motocicleta, e dava estouros. Mais adiante, ele virou a esquina, cantando pneus. De minha casa, ainda dava para ouvir as aceleradas que o motorista imprimia ao motor, quando já deveria estar duas quadras adiante. Uma mulher abriu a janela e olhou para os lados e pra cima, seus cabelos mostravam ter acordado repentinamente, estava assustada e perdida. Nem notou quando passei.

Eu nunca havia visto carros desse tipo em nosso bairro, apenas no centro antigo da cidade, perto de bares, em locais de consumo de drogas e prostíbulos. Moro em uma zona familiar, lugar para crianças brincarem em paz pedalando suas bicicletas, ou casais de velhos andarem na calçada. O ultimo acidente foi há dois anos, quando um rapaz distraído acionou o freio da motocicleta quando passava sobre uma mancha de óleo. Descontrolado, foi bater de frente com um carro que vinha do outro lado. Infelizmente, morreu. Os pais mudaram-se em seguida.

A mulher fechou a janela, batendo-a com força. Não demorou muito e o tal carro voltou. Apontou no extremo da rua comprida, e veio de lá pra cá, como se fumegante, trazendo os estouros do motor, fazendo-se acompanhar do característico ronco crescente. Afastei-me ao máximo. Com medo, pulei a mureta de uma casa e o vi, quando levantei um pouco a cabeça, ele se aproximando como uma bala. Mas, dessa vez, deu uma freada brusca, balançou a dianteira e a traseira de um lado pra outro da pista e, controlando-se em seguida, a velocidade foi diminuindo. E o ronco foi ficando grave, como se o motor estivesse impedindo seu som brutal de sair. Veio se aproximando cada vez mais devagar, contido, até atingir aquela velocidade mínima possível a um automóvel. Abaixei-me e escondi totalmente o corpo atrás do muro baixo. Segurei a respiração quando o carro chegou o mais perto possível. Notei que o motor parou de funcionar. Silêncio. De onde eu estava, abaixado, não dava para ver quem o guiava. O bairro era agora todo silêncio, como deveria ser.

Não havia brisa, as folhas das árvores e as flores do jardim estavam inertes, e fazia um calor sufocante. A mulher não abriu a janela dessa vez. E eu não fazia a mínima ideia de se o motorista, fosse lá quem fosse, ainda estava dentro do veiculo ou se havia decido. Arrastei-me bem devagar e alcancei a grama sob uma árvore do jardim da casa alheia e vazia, ficando quieto atrás de um arbusto. Agora eu olhava por trás da folhagem. Daria para escapar correndo, caso ele viesse ao meu encontro. Demorou um pouco. Ouvi então seus passos se aproximando, depois um som diferente de sapatos sobre a grama. Parou. O som agora ela o de ele voltando, abrindo a porta do veículo e a batendo sem força alguma. Parecia não ter pressa. Quando deu partida no motor, eu já havia corrido e já ia bem longe, e começou a chover muito. Choveu sem parar, até a manhã seguinte.

Marco Antonio, 2014.

Nenhum comentário: